Os Parâmetros Curriculares Nacionais e as Artes Visuais
Sônia Maris Rittmann
UFRGS POLO POA 1
Discutir os PCN-EM e a forma como ele está estruturado, nos faz re-pensar na História da Educação e no caminho percorrido até chegarmos aos dias de hoje. É nessa perspectiva que trago um breve apanhado histórico e da importância dos PCN numa tentativa de responder a alguns dos questionamentos propostos pela disciplina, relacionando-o com o que considero ser relevante para um professor de artes visuais na contemporaneidade.
A partir da abertura política, de redemocratização, e dos novos ares que sopram no nosso país, os intelectuais passaram a pensar de forma consistente numa mais educação democrática e aberta e que contemplasse essa nova forma de organização da sociedade. Havia reivindicações de mudança no sistema educacional tanto na questão de valorização do magistério, como da recuperação da escola pública, “aviltada e empobrecida” durante muitos anos. Já nas discussões para a elaboração da Constituição de 1988 aparecem contribuições valiosas da sociedade civil organizada. O capítulo III da Constituição dedica-se exclusivamente da EDUCAÇÃO, e traz avanços nas discussões que são aprimoradas posteriormente através PEC, Propostas de Emendas a Constituição. Nesse capítulo, foram contemplados o “ensino laico, obrigatório, público e gratuito oferecido pelo Estado.” Além disso a Constituição assegurou que se elaborasse uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96).
Esse período histórico, pós regime militar, foi muito fértil e nos legou além da Constituição de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069) em 1990, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9396/96) em 1996, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) em 1998, culminando com o Plano Nacional de Educação (lei 10.172) em 2001.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) são considerados referência de qualidade para os Ensinos Fundamental e Médio no país. A idéia dos PCNs era aproximar o ensino e a sociedade contemplando idéias do “que se deve ensinar”, “como se deve ensinar” e “para quem se quer ensinar”. Questões como cidadania, participação social, diálogo como forma de mediar conflitos, combate a discriminação permeiam todo o texto dos PCNs. Não se trata de regras, mas sim de, como o próprio nome sugere, parâmetros, pilares de sustentação que serviram de subsídio para o trabalho do professor em sala de aula.
Dentro dos PCNs, a Arte, que na Lei 5.692/71 fazia parte integrante da área da linguagem, passam a integrar a área de Linguagem, Códigos e suas Tecnologias, e como tal, trabalha a partir da representação, da comunicação, da linguagem, da questão estética.
“A linguagem permeia o conhecimento e as formas de conhecer, o pensamento e as formas de pensar, a comunicação e os modos de comunicar, a ação e os modos de agir. Ela é a roda inventada que movimenta o homem e é movimentada pelo homem. Produto e produção cultural nascida por força das práticas sociais, a linguagem é humana e, tal como o homem, destaca-se pelo seu caráter criativo, contraditório, pluridimensional, múltiplo e singular, a um só tempo” (PCNEM, 2002, p.125).
Diante disso, penso que o ensino de Arte deve ser pautado pelos aspectos da produção, a apreciação e a reflexão da Arte com a devida contextualização do momento histórico e da linguagem do seu tempo. A arte como representação de seu tempo e lugar, dos anseios, sentimentos e reflexão de sua época, sintetiza as diferentes visões de mundo de cada época e cada cultura, respeitando as diferenças e propiciando um olhar mais atento e aberto transformações ocorridas na sociedade em que estamos inseridos. A Arte como “conhecimento humano sensível-cognitivo”, em que se manifestam os diferentes “significados, sentimentos, modos de criação e comunicação sobre o mundo da natureza e da cultura”, que leve em conta não apenas o fazer artístico, mas o apreciar e compreender esse fazer artístico, seu e do outro, além da reflexão a partir dessa produção e apreciação, que considere a história e o contexto sócio-cultural.
Utilizar-se da Arte para pensar o mundo, as relações entre os seres humanos e a sociedade em que estamos inseridos. Trazer a Arte para o centro das discussões do ensino não como uma disciplina “a mais”, mas como uma forma de manifestação cultural própria, legítima, que auxilia o aluno a compreender-se. A compreender melhor o mundo em que vive e que se transforma a cada dia em uma velocidade intensa, e as relações complexas desse mundo em que nem sempre há espaço para a reflexão, em que as pessoas se movimentam como autômatos e que já não questionam os valores pré-estabelecidos e apenas seguem os paradigmas impostos que lhe são impostos.
Uma questão que me chama a atenção no texto da Ana Mae Barbosa é a do “conteúdo” de Artes. Parece que ela não errou tanto assim, pois embora a Arte já possua um conteúdo formal a ser desenvolvido, com currículo, gradação, além de avaliações e “notas” a serem trabalhadas, ainda é comum ouvirmos manifestações dos diferentes segmentos da escola como: “artes não reprova”, “para que artes?”, “poderíamos retirar um período de Artes e colocar Matemática (ou qualquer outra matéria tida como ‘séria’)” entre outras. Isso comprova que embora a Arte tenha direito de existir por si só, seja extremamente importante para a formação de seres pensantes, criativos e atuantes, ainda há um “ranço” de algumas pessoas com relação à importância da mesma.
Hoje, penso que saímos do que Ana Mae Barbosa chama de laissez-faire nas Artes. Embora eu não tenha certeza de que isso tenha sido totalmente abandonado no Ensino Fundamental, ao menos no Ensino Médio já há um esboço de um trabalho mais consistente. Trabalho que leva em conta o fazer, o apreciar e o refletir a Arte, com a utilização das imagens de obras de arte em sala de aula, sejam em reproduções, livros de Arte ou pelas mídias à disposição, e também com visitação aos espaços culturais, quando possível, para apreciação in loco das mesmas. Além disso, são feitas pesquisas sobre autores, períodos artísticos e contextos sócio-históricos. Relações são estabelecidas com outras produções artísticas de cada período de forma interdisciplinar, integrando outras matérias como Educação Física, Português, Literatura e Inglês. O uso da Informática, para alguns de nossos alunos, já é uma realidade. Eles produzem animações, avatares, filmes e fotografias. Manipulam programas de edição gráfica e montagem com alguma destreza e são capazes de criar coisas muito interessantes. Penso, porém, que ainda falta estrutura em nossas escolas para que todos os alunos tenham acesso às novas tecnologias. Algumas das produções dos alunos são releituras de obras, ou mesmo, numa relação de interdisciplinaridade com a literatura são produzidas obras a partir de textos literários ou mesmo letras de música. Há, mesmo que de forma insipiente uma tentativa de fazer das aulas de Arte um espaço de criação, fruição e prazer de produzir e “consumir” Arte.
O mundo hoje necessita de pessoas mais criativas, que pensem de maneira diferente e que solucionem problemas cada vez mais complexos, e essa complexidade faz com que todos se mobilizem para dar conta de resolver problemas nunca antes vistos. Nesse sentido, a arte surge como um espaço propício para o desenvolvimento de habilidades e competências na área das linguagens, dando condições para que a criatividade na busca de soluções aflore. Ao professor cabe criar as condições necessárias para que esse desenvolvimento seja articulado e potencialmente significativo. Penso que o tempo de transmitir informações ficou para trás e que agora, devamos abandonar velhos paradigmas e estarmos abertos a aprender. Aprender sempre.
Muito ainda há que se fazer para se ter o espaço ideal de trabalho, com matéria prima à disposição, salas apropriadas, professores atualizados e atuantes, alunos motivados, mas penso que devemos trabalhar com o que temos, mesmo que seja pouco e difícil. Sempre é melhor do que nada. O fazer sem recursos pode ser também muito criativo e instigante para os alunos e para nós também. Creio que isso é o que a professora Umbelina chama de “sair da nossa zona de conforto” e ir à luta. Trabalhar com tudo “certinho” não é desafio. Desafio é o contrário, é fazer onde não seria possível que se fizesse. É transformar a necessidade em motivo de criação em reflexão sobre o hoje, sobre os nossos desafios diários, sobre a nossa relação com as formas de poder, com os limites de nosso fazer e de como resolvemos essas questões a nós impostas. Esse é o nosso tempo, esse é o nosso mundo. A partir dele devemos criar, pensar, refletir e fazer Arte.
Referências bibliográficas:
BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educação no Brasil: realidade hoje e expectativas futuras. Estudos Avançados. [online]. 1989, vol.3, n.7, p. 170-182. ISSN 0103-4014. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141989000300010&script=sci_arttext
Parâmetros Curriculares Nacionais- Ensino Médio. Disponível em
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/14_24.pdf
Referencial Curricular. Lições do Rio Grande. Voume II. Linguagens, Códigos e sua Tecnologias. Arte e Educação Física. Disponível em
http://www.educacao.rs.gov.br/pse/html/refer_curric.jsp?ACAO=acao1