Caixa de Pandora

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Paisagem Urbana_projeto


Projeto e pequena ação demosntrativa


"As perguntas são mais importantes que as respostas"


A Educação deve ser um processo de construção de conhecimento
ao qual acorrem, em condição de complementaridade,
por um lado, os alunos e professores e,
por outro, os problemas sociais atuais e o conhecimento já construído
("acervo cultural da Humanidade").”¹ (BECKER)

A proposta de atividade que apresento é um Projeto de Intervenção Urbana Coletiva que tem como tema inspirador o lema da 6ª Bienal do Mercosul “A arte não responde, pergunta”.


Apresentação do projeto e objetivos:


O Projeto de Intervenção na Paisagem Urbana foi pensado a partir de uma provocação, uma tarefa a ser realizada para a disciplina de Processos e Linguagens Tridimensionais, e que deveria necessariamente envolver nossos alunos nas escolas em que trabalhamos.


A primeira questão foi descobrir qual a motivação de nossos alunos e que tipo de intervenção faria sentido no momento-espaço que estamos vivendo atualmente. Após várias idéias, uma constante inquietação do mundo atual foi decisiva para a decisão pelo projeto: estamos questionando as coisas que nos são impostas diariamente? Por que o ser humano tem a falsa impressão de ter certezas absolutas sobre determinadas coisas? Por que questionamos tão pouco o que nos cerca? Onde foi parar nossa curiosidade? Onde estão as perguntas?


Chamei a esse projeto filosófico-poético-artístico de “As perguntas são mais importantes do que as respostas” por considerar que esse é o cerne da questão: estamos muito acomodados, fazendo coisas como autômatos, sem questionar, sem pensar, sem refletir e pior, sem duvidar. Penso que a arte pode nos servir como espaço-tempo de questionamento e reflexão.

A idéia é fazer com que as pessoas parem por um segundo e pensem. Duvidem das coisas que são ditas. Desconfiem do que veem. Passem a fazer perguntas sobre tudo. Fiquem atordoadas. Bombardeadas de dúvidas.


Descrição Detalhada:


A princípio a intenção é realizar com os alunos um debate a respeito das certezas que eles trazem e por em cheque essas “verdades” propondo que ao duvidar das coisas eles podem apreciar as mesmas de forma mais intensa. A curiosidade ao contrário do dito popular não matou gato nenhum. A curiosidade gera aprendizado. São nossas perguntas que nos fazem mudar, renovar, evoluir como seres humanos. Penso que ao propor qualquer atividade aos alunos devemos sempre considerar os conhecimentos que eles já trazem na bagagem, somando a esses conhecimentos novos estímulos que possam despertar o interesse deles pelo que se está propondo. Essa idéia está ancorada no que diz Fernando Becker sobre conhecimento:

“O conhecimento é uma construção. O sujeito age, espontaneamente - isto é, independentemente do ensino, mas não independentemente dos estímulos sociais-, com os esquemas ou estruturas que já tem, sobre o meio físico ou social. Retira (abstração) deste meio o que é do seu interesse. Em seguida, reconstrói (reflexão) o que já tem, por força dos elementos novos que acaba de abstrair. Temos, então, a síntese dinâmica da ação e da abstração, do fazer e do compreender, da teoria e da prática.”¹

Após essa discussão que pode levar um tempo bastante longo, penso em propor a partir de outras perguntas que se pense em um símbolo (orto) gráfico que represente de forma muito singela, mas profundamente impactante e visualmente reconhecível o “questionamento”.
Espero que eles cheguem ao (?) ponto de interrogação. Caso não cheguem meu projeto terá que ser reavaliado e, talvez, repensado e reestruturado. Posso ter errado na escolha do símbolo. Ajustes são fundamentais para que se possa construir algo realmente novo. Ninguém sabe tudo a priori, as respostas não estão dadas, elas devem ser construídas, tanto pelo aluno quanto pelo professor, numa relação dinâmica, em ambas as direções. Professor e aluno se determinando mutuamente, aprendendo conjuntamente, de forma construtivista. Nas palavras do professor Fernando Becker:
“Construtivismo significa isto: a idéia de que nada, a rigor, está pronto, acabado, e de que, especificamente, o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como algo terminado. Ele se constitui pela interação do Indivíduo com o meio físico e social, com o simbolismo humano, com o mundo das relações sociais; e se constitui por força de sua ação e não por qualquer dotação prévia, na bagagem hereditária ou no meio, de tal modo que podemos afirmar que antes da ação não há psiquismo nem consciência e, muito menos, pensamento.”¹


Supondo que os alunos cheguem ao esperado PONTO DE INTERROGAÇÃO, passamos a segunda etapa do projeto: a intervenção propriamente dita. Novo debate: como fazer com que mais pessoas passem a questionar suas verdades tidas até então como absolutas? Falo sobre algumas experiências de grupos e de artistas que realizam intervenções urbanas em outros lugares do mundo. Posso falar de Christo e Jeanne-Claude, de Richard Long, do Poro... Aluno é sempre muito receptivo a atividades diferenciadas, gosta do novo, da liberdade de criar, de andar na rua... Fernado Becker disse em uma entrevista que “O aluno atual é semelhante e diferente ao aluno de todos os tempos. É um ser humano que pergunta sobre tudo o que incomoda; se não pergunta é porque está sendo reprimido”². Então imagino que não será nada difícil convencê-los da importância de uma intervenção realizada no pátio da escola ou mesmo do bairro. O espaço sala de aula foi reconfigurado, deixamos as quatro paredes e passamos a agir na rua em interação com o meio. Passamos a utilizar espaços mais amplos para as atividades educativas. Penso que tanto o pátio da escola, como o entorno serviram bem a proposta dessa intervenção.

A partir da aceitação do grupo passamos a pensar em como fazer essa intervenção de maneira que não fique óbvia e que cause estranheza e reflexão. Várias idéias de como, onde, por que, que materiais utilizar, como realizar, quando realizar. Algumas limitações financeiras e temporais, outras estéticas. Nem todo material poderá ser tridimensional, teremos que utilizar algum material bidimensional.

Penso em pequenos pontos de interrogação feitos em isopor ou papel cartaz colorido, talvez EVA, colados em palitos de churrasquinho, cravados no jardim da escola, na calçada em frente, na cancha de esportes... Penso em arte-xerox, reproduções de pontos de interrogação variadas coladas nos postes do bairro... Talvez, pontos de interrogação, recortados e colados nas calçadas, fazendo um caminho, nos moldes dos nossos andantes, espalhados pelo chão. Talvez adesivos colados nos banheiros, nas classes, nas cadeiras... (Ok. Vou ser chamada na direção da escola para explicar, a menos que seja feito na calada da noite... Impossível nossa escola possui câmeras de vigilância, coisas da vida moderna.) Não dá para ser um trabalho anônimo, como eu havia pensado a princípio. Teremos que nos adequar as limitações “legais”: nada de colar adesivos nas classes. Pensei também em aproveitar a idéia dos carimbos feitos para os números e carimbar pontos de interrogação na mão das pessoas. Podemos ainda colocar panfletos nos pára-brisas dos carros dos professores. Fazer alguns Pontos de Interrogação gigantes e colocá-los no saguão de entrada da escola. Todo esse processo de escolha dos materiais deverá necessariamente ser discutido com o grupo de alunos. A viabilidade de um ou outro material será decidida dessa forma. Essas decisões em conjunto fazem parte da aprendizagem. O como e porque utilizar esse ou aquele material deverá levar a discussões que vão desde questões ambientais (alguns matérias são altamente poluentes), questões estéticas (é um trabalho artístico, pensamos em desenvolver também o senso estético) até questões éticas (nossos limites para a intervenção).

Escolhidas as formas e os materiais partimos para a execução. Tempo curto, deveremos optar por apenas algumas das atividades. Farei a atividade apenas com uma das minhas turmas. A turma escolhida para a intervenção urbana é uma sétima série do ensino fundamental, com 39 alunos, composta basicamente por jovens de 12 a 14 anos, adolescentes, super criativos e bastante críticos também. O trabalho de campo deve ser coletivo. A turma escolhida para a realização do trabalho deve se organizar de forma a distribuir as tarefas para que todos possam participar de forma ativa e se sintam responsáveis por todo o processo. Porém penso que quanto menos pessoas envolvidas na execução do projeto mais pessoas poderão desfrutar do espanto, da surpresa, da apreciação estética, da emoção gerada pela intervenção.Nesse caso menos é mais.

O papel do professor é de propor a atividade, de estimular os alunos na elaboração da intervenção. Ele não deve interferir, mas ajudar. Trazer questionamentos que ajudem a construção da atividade pelos próprios alunos. A idéia é criar situações em que os alunos serão desafiados a recriar levando em consideração múltiplos aspectos: cognitivos, afetivos, éticos e estéticos.

A intenção deliberada é que as pessoas ao tomarem um choque-estético, que penso ser filosófico-poético-artístico, saiam do seu conformismo habitual, fiquem com uma “pulga atrás da orelha”, transformem-se, tornem-se mais críticas, pensem com mais profundidade, não aceitem coisas impostas sem uma dúvida razoável, passem a vi(ver) de uma forma diferente. Durante a realização da atividade não haverá explicações, nem discursos, muito menos “respostas”...Isso não faria o menor sentido dentro da proposta. Questionar é a proposta!
A atividade será avaliada durante todo o processo. Desde as discussões preliminares feitas em sala de aula, passando pela elaboração de um plano de ação para a intervenção, dos esboços criados, até a realização da atividade na rua. A questão central é o envolvimento dos alunos com a proposta. Podemos considerar duas avaliações: uma individual e uma coletiva. Para a coletiva podemos ao final da atividade realizar em um seminário para troca de informações sobre o que aconteceu, se as expectativas dos alunos foram alcançadas, se eles fariam algo diferente se tivessem oportunidade...A idéia é valorizar o processo vivido por cada indivíduo e pelo grupo e tentar reorganizar as etapas para que se assimilem conceitos e idéias que não ficaram claras durante a intervenção.

Penso que não fui eu quem escolheu a teoria, foi ela que me escolheu. A atividade, Intervenção na Paisagem Urbana, foi criada para a disciplina de Processos e Linguagens Tridimensionais, sem que eu pensasse explicitamente eu uma ou outra teoria. Creio que já está internalizada em mim essa maneira de pensar e fazer educação. Somente depois de a atividade pronta e realizada, dei-me conta da possibilidade de utilizar a atividade para a atividade de Psicologia. Penso que somos a soma de nossas escolhas e nossos estudos ao longo de muitos anos de vida. Essas escolhas nos constituem. Podemos e devemos (re) pensar o que estamos fazendo para o bem de nossos alunos. Refletir sobre esses processos e como essas escolhas, aparentemente inofensivas, podem ajudar ou prejudicar o desenvolvimento de nossos alunos. Difícil tarefa, porém necessária. Essa reflexão deverá levar em conta o aluno e o professor que temos hoje, suas necessidades frente ao mundo em que vivemos. Como bem falou Fernando Becker:

“O aluno de hoje - esta, parece-me, é sua marca – demanda informação de qualidade (ciência, ética, estética) e reivindica direito ao debate dessas informações. Ele demanda uma relação pedagógica ativa, por excelência. Um modelo pedagógico relacional é o único que conseguirá dar conta dessa demanda. Posto isso, toda informação de qualidade é bem vinda. Penso que o aluno de hoje postula uma renovação profunda da escola – talvez ele não saiba explicitar isso. O professor, com certeza, deve aprender a ler isso no comportamento do aluno. (...) O professor precisa compreender que a inteligência humana não é outra coisa que a síntese das ações e emoções humanas sintetizadas num sujeito individual, num determinado momento histórico – dos indivíduos em particular ou da humanidade como um todo”. ²

Creio que essa “escolha” deve-se ao fato de acreditar que a aprendizagem não tem fim nem começo, é constante e que o aluno é capaz de aprender sempre através da ação, da interação, da socialização dos saberes e dos conhecimentos velhos e novos, refletidos e ressignificados. Penso que o próprio tema da intervenção realizada já demonstra esse posicionamento crítico e reflexivo: “As perguntas são mais importantes que as respostas”. É isso que desejo do fundo de meu coração: alunos críticos, criativos, que pensem por suas próprias cabeças, que não sejam manipulados pela sociedade que vivem, não repitam o que todos dizem e fazem por modismo, e que busquem soluções para as questões no mundo em que vivem de forma coletiva.



Bibliografia consultada:

¹ BECKER, Fernando. Modelos Pedagógicos e Modelos Epistemológicos. Disponível em <> Acesso em 27/04/2010.

² BECKER, Fernando. Entrevista para a revista Psicopedagogia, disponível em http://www.psicopedagogia.com.br/entrevistas/entrevista.asp?entrID=45
Acesso em 27/04/2010.

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