Caixa de Pandora

sábado, 27 de março de 2010

As perguntas fundamentais


Vou contar para vocês uma estória que me contaram. Não importa se verdadeira ou imaginada. Tolstoi disse e Guimarães Rosa confirmou: “Se descreves o mundo tal qual é, não haverá em tuas palavras senão muitas mentiras e nenhuma verdade.” Por vezes, para se ver a verdade é preciso sair do mundo da realidade e entrar no mundo da fantasia...
Um grupo de psicólogos se dispôs a fazer uma experiência sobre a inteligência dos macacos. Colocaram cinco macacos dentro de uma jaula. No meio da jaula, uma mesa. Acima da mesa, pendendo do teto, um cacho de bananas. Os macacos viram as bananas. Os macacos gostam de bananas. Pensaram que seria bom comer as bananas. Viram a mesa. Concluíram, com sua inteligência instrumental, que subindo na mesa alcançariam as bananas. Viram, desejaram, pensaram e partiram para a ação. Um dos macacos subiu na mesa para apanhar uma banana.
Mas os psicólogos estavam preparados para tal eventualidade: com uma mangueira deram um banho de água fria nos macacos. Foi um susto. O macaco que estava sobre a mesa, ensopado, desistiu provisoriamente do seu projeto de comer bananas. Que lamentável incidente! Passados alguns minutos, secos os macacos, olharam de novo para as bananas com desejo. Outro macaco resolver subir na mesa para comer as bananas. Mas o mesmo banho de água fria se repetiu.
Depois da mesma coisa se repetir por quatro vezes os macacos, inteligentes, concluíram que havia uma relação causal entre subir na mesa para apanhar bananas e o banho de água fria. E como o medo da água fria era maior que o desejo de comer bananas, resolveram que nenhum deles tentaria de novo comer bananas, sob pena de uma surra. Assim foi. Quando um macaco delinquente resolvia fazer a coisa proibida, antes do banho de água fira os outros lhe aplicavam a surra merecida.
Aí os psicólogos retiraram da jaula um macaco e colocaram no seu lugar um outro macaco, fresquinho, que nada sabia dos banhos de água fria e dos acordos havidos para se evitar o banho. Ele se comportou como qualquer macaco. Foi subir na mesa para comer as bananas. Mas antes que o fizesse os outros quatro lhe aplicaram a surra de direito. Ele nada entendeu. Pensou, talvez, que se tratasse de uma cerimônia de iniciação. Passada a dor da surra, voltou a querer comer a banana e se encaminhou para a mesa. Nova surra. Depois da quarta surra, ela concluiu e aprendeu: “Nessa jaula, macaco que sobre na mesa apanha.” E, sendo minoria, ele não tinha condições de se rebelar. Adotou então a sabedoria cristalizada pelos políticos humanos que diz “se você não pode derrotá-los, junte-se a eles.”.
Os psicólogos retiraram então um outro macaco e colocaram outro fresquinho no seu lugar. Aconteceu a mesma coisa. Os três macacos originais mais o último macaco, que nada sabia da origem e função da surra, se juntaram e lhe aplicaram a sova de praxe. Esse último macaco também aprendeu que naquela jaula que subia na mesa apanhava.
E assim continuaram os psicólogos a substituir os macacos originais por macacos novos, até que na jaula só ficaram macacos que nada sabiam sobre o banho de água fria. Mas, a despeito disso, o ritual da surra continuou. Se se perguntássemos a esses macacos sobre a razão porque eles surravam os macacos que tentavam subir na mesa para apanhar banana, eles haveriam de responder, se pudessem: “É assim porque é assim. Nessa jaula macaco que sobe na mesa para comer banana apanha”...
De há muito os psicólogos descobriram que há continuidades entre o comportamento dos animais e o comportamento dos seres humanos. E eu acho que nós, eu inclusive, freqüentemente nos comportamos como os macacos. Aquilo que todos fazem ou, mais terrível ainda, aquilo que todos pensam, nós tendemos a aceitar e incorporar como se fosse a realidade e a verdade. O repetição cria ontologia: “É porque é”, “assim são as coisas...”
Eu acho que em relação às escolas nós nos parecemos muito com os macacos. Vamos brincar de “fazer de contas”. As escolas são as jaulas e nós estamos dentro delas... Por favor, não se ofenda, é só “faz de contas”, fantasia, para ajudar o pensamento. A razão por que estamos dentro das jaulas são as bananas. Mas não comemos as bananas. Até nos esquecemos de que elas existem. Há uma infinidade de coisas que nos ocupam e nós as aceitamos assumindo que “é assim que são as escolas”. Mas, como os macacos, não fazemos perguntas sobre o sentido daquilo para a educação das crianças e nem se é possível ser de outra forma. Vou da alguns exemplos.
Primeiro, a arquitetura das escolas. Todas as escola têm corredores e salas de aula. As salas de aula servem para separar as crianças em grupos segregando-as umas das outras. Por que é assim? Tem de ser assim? Não existirá uma outra forma de organizar o espaço que permita a interação e cooperação entre crianças de idades diferentes, tal como acontece na vida? A escola não deveria imitar a vida? Programas. Um programa é uma organização de saberes numa determinada sequência. Quem determinou que esses são os saberes a serem aprendidos pelas crianças? Por que? Que uso fazem as crianças desses saberes na sua vida de cada dia? Os adultos consultam as crianças no preparo dos programas? As crianças escolheriam esses saberes? Por que esses e não outros? Os programas servem igualmente para crianças que vivem nas praias de Alagoas, nas favelas das cidades, nas montanhas de Minas, nas florestas da Amazônia, nas cidadezinhas do interior? Os programas são dados em unidades de tempo chamados “aulas”. As aulas têm horas definidas. Ao final toca-se uma campainha. A criança tem de parar de pensar o que estava pensando e passar a pensar os saberes da aula seguinte. Mas o pensamento obedece às ordens das campainhas? Por que é necessário que todas as crianças pensem as mesmas coisas, na mesma hora, no mesmo ritmo, seguindo o professor? As crianças serão, por acaso, todas iguais? O objetivo da escola é fazer com que as crianças sejam todas iguais?


Rubem Alves

Disponível em
http://www.rubemalves.com.br/asperguntasfundamentais.htm acesso em 26/03/2010

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