Aprendi desde muito cedo a dar valor as lembranças. E, as histórias contadas e lidas na infância e na adolescência ainda povoam minha imaginação. Deve ter sido esse o verdadeiro motivo de eu ter feito Literatura. Creio que somos a soma de nossas lembranças, do que nossa memória guardou como sendo importante por algum motivo. Porém, também penso que nem sempre nossa memória é confiável o suficiente para acreditarmos totalmente nela. Penso que as lembranças dos aprendizados em artes que me ocorrem, envolvam muito mais questões afetivas do que cognitivas. Penso que tive mais experiências positivas do que negativas.
Lembro da sala de artes na minha escola de ensino fundamental - Liberato Salzano Vieira da Cunha - com mesas grandes e rodeadas de armários cheios de tinta, lápis de cor, pinceis e papeis de tamanhos variados. A cor estava em todos os cantos, do chão ao teto. Um lado da sala era totalmente envidraçado, com aquelas portas balcões que vão até o chão e que deixava entrar a luz do sol e tornava o aquecido e iluminado naturalmente.
Nesse espaço, mais do que desenhar e pintar, nós aprendemos a sonhar, pois nossa professora de artes, Dóris, utilizava música e contação de histórias para nos envolver. Suas aulas eram mágicas. Muitas vezes, assisti projeções de slides com obras de arte que ela fotografou nas viagens que ela fazia. (Nesse tempo, as professoras da escola pública ganhavam o suficiente para viajar pelo mundo). Ela também levava livros de arte e de literatura ilustrados para que nós apreciássemos. Lembro que fiquei muito impressionada com um livro em especial, A Divina Comédia, de Dante Alighieri, pois as ilustrações, desenhos em preto e branco, eram fantásticas. Havia anjos, demônios, seres mitológicos. Fantástico!
Só fui ler o livro muitos anos depois, já na faculdade, mas aquelas imagens nunca mais saíram da minha mente. Devo ter tido alguns pesadelos por conta disso. Hoje, sei que as gravuras eram de Gustave Dore e que ele ilustrou muitos outros livros e que é considerado um dos maiores ilustradores de todos os tempos.
Apreciávamos as imagens das obras, as histórias; ouvíamos música, clássica geralmente, e depois partíamos para a criação. Pintávamos com tinta guache e óleo, lápis de cera, nanquim, giz. Desenhávamos com lápis e com carvão. Havia também momentos em que a professora organizava exposição dos trabalhos. Não sei se minha professora sabia quem era Ana Mae, mas, a seu modo, ela acabou fazendo com que seus alunos aprendessem a amar a Arte. E acho que essa foi a sua contribuição mais importante: amar profundamente tudo o que se faz. No nosso caso: amar a Arte.
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