Caixa de Pandora

domingo, 8 de maio de 2011

Reflexão sobre Cinema, Vídeo, Godard


Reflexão sobre Cinema, Vídeo, Godard

Ao iniciar a disciplina de Arte e Tecnologia Digital II, nos deparamos com um grande desafio: pensar a arte a partir dos processos de captura e edição de vídeo. Isso significa que esse semestre além de rememorarmos alguns conceitos trabalhados e apreendidos anteriormente como cor, luz, resolução de imagens, gifs animados; novos conceitos serão incorporados através de estudos teóricos e práticos de vídeo.

O primeiro texto disponibilizado para embasar nossos estudos nessa área faz parte do livro Cinema, Vídeo, Godard, de Phillippe Dubois. O livro é um apanhado de dez anos de artigos publicados pelo autor, que se dedica ao tema das “imagens híbridas” ou pós-cinematográficas (eletrônicas, digitais), das transformações tecnológicas, estéticas e ontológicas vividas pelo cinema frente às novos meios (vídeo, televisão, meios digitais).

O texto é bastante denso e nos traz exemplos nem sempre fáceis de serem compreendidos, mais por uma deficiência em nosso repertório cultural em cinema e vídeo, do que por questões de escritura. Gostaria de dizer que mesmo sendo uma aficionada por cinema e ter uma bagagem de muitos anos de salas de cinema, confesso que vi apenas uns quatro ou cinco filmes do Godard e isso nos anos 80, quando vivia em Porto Alegre e freqüentava alguns cinemas, hoje fechados, como o Bristol e o Avenida, que promoviam bons ciclos de filmes não-comerciais, em sessões, algumas vezes “proibidas” e que acabavam em prisão (Je vous salue Marie). Hoje, ainda podemos assistir uma boa programação cinematográfica em umas poucas salas de cinema como a do Santander Cultural, ou a Sala P.F. Gastal, na Usina do Gasômetro ou mesmo na Sala Redenção na UFRGS, ou tentar alguma locadora que fuja do circuito comercial e mantenha um acervo alternativo(não comercial).

Feitos esses esclarecimentos iniciais, vamos ao texto. O trecho selecionado para leitura e análise: “apresentação” e “introdução”, traz importantes considerações sobre cinema, vídeo, vídeo-ensaio, instalações, arte contemporânea. Não pretendo aqui fazer uma listagem por tópicos de interesse, nem seguir uma ordem linear, pretendo tecer algumas considerações a partir do que me chamou mais a atenção e tentar usar o texto de Dubois como referência.

Dubois traça dois caminhos de reflexão que o acompanham durante todo o texto: por um lado, o cinema ser “uma espécie de referência fundante para todo o audiovisual, e por outro lado, considerar o vídeo como “um momento intermediário entre o cinema e o computador”. Ele mesmo, Dubois, se considera um ser entre os dois mundos, não pertencendo completamente nem ao mundo dos cinéfilos, nem ao mundo dos computadores.

Pensar o vídeo como uma poderosa ferramenta audiovisual, que se insere a meio caminho entre o cinema e as mídias digitais (computadores), com algumas possibilidades de uso bastante ricas esteticamente, podendo o mesmo ser usado tanto de forma “tradicional”, linear ou de uma forma mais complexa, com múltiplas exposições, misturadas, editadas, sobrepostas; “ao vivo”, de forma simultânea, dentro e fora da imagem.

Outro fator que facilita a utilização experimental do vídeo é o baixo custo, comparado às filmagens cinematográficas, muito dispendiosas. Diria que o vídeo é mais democrático, pois todos podem ter acesso e criar, basta “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, não precisando se restringir às formas tradicionais de narrativa ficcional, ou aos documentários, podendo fazer experiências visuais, sem compromisso com uma única forma estética, sem se preocupar muito com os custos dessa criação. Hoje, além de podermos criar nossos vídeos ainda podemos compartilhar os mesmo pela rede mundial de computadores sem custo adicional, pois temos vários sites que disponibilizam o compartilhamento de imagens de vídeo, como o YouTube e o Vímeo.

Penso que essa adesão ao vídeo por muitos artistas fica bastante evidente se pensarmos, principalmente, nas duas últimas Bienais de Arte do Mercosul, onde vimos uma grande profusão de vídeo-arte, com várias linguagens, com trabalhos mesclavam objetos, estruturas com projeções de imagens. Na última Bienal do Mercosul, muito especificamente, o vídeo ganhou destaque ao ter um espaço exclusivo, no Santader Cultural, em que tivemos a oportunidade de apreciar várias instalações em vídeo, com linguagens e estéticas variadas, em instalações que podiam ser reproduzidas posteriormente ou serem efêmeras.

Interessante também é pensar algumas características que afastam o vídeo do cinema: a fragmentação, a edição, o descentramento, o desequilíbrio, a politopia (heterogeneidade estrutural do espaço), a velocidade, a dissolução do sujeito, a abstração (não-figurativismo). Nas palavras de Dubois, “O vídeo instaura novas modalidades de funcionamento do sistema de imagens. Com ele, estamos diante de uma nova linguagem, de uma nova estética.”(DUBOIS,p.15)

Outro termo que chamou a atenção foi a da “ensaios não escritos”, ensaios em forma de enunciados audiovisuais, pois ao pensarmos em cinema, pensamos em alguma forma de literatura, de discurso verbal. E, pensar em outra modalidade discursiva, que já não utiliza as palavras, mas sim, uma sintaxe de imagens, em associações mentais que visualizamos através da montagem ou edição, parece-nos complexo demais. Jean-Luc Godard é considerado a maior expressão do cinema-ensaio. Para ele, não importa de onde saem as imagens, se do mundo visível ou do artificial, o que importa é como o cineasta trata as mesma, o que importa é o que o cineasta faz com essa imagens, como ele transforma essas imagens em reflexão sobre o mundo. Segundo Dubois, a partir de Godard, aprendemos a pensar em imagens e não mais em linguagem verbal: superexposições, incrustações, “janelas” são instrumentos pelos quais tentamos regatar a relações entre personagens, coisas e ações.

Ao contrário do cinema, o vídeo não possui uma especificidade, o que significa que ele se movimenta por diferentes formatos, do documentário ao ensaio; diferentes imagens e dispositivos. Nas palavras de Dubois, o vídeo seria “não um objeto, mas um estado – estado do olhar, estado do olhar e do visível, maneira de ser das imagens”. A grande força do vídeo seria a de ser uma forma que pensa – pensa as imagens, principalmente, as imagens do cinema.

O autor coloca-nos o vídeo como sendo, comparado ao cinema, algo frágil, incerto, sem identidade forte, dotado de um estatuto flutuante de intermediário, enquanto o cinema seria um monumento. “O cinema é um modelo de pensamento da imagem tecnológica.” Pensamos cinematograficamente, isso é fato. Percebemos reflexos disso na arte contemporânea, que se utiliza não apenas do vocabulário, mas da produção cinematográfica em suas produções. “O imaginário cinematográfico está em toda parte, e nos impregna até em nossa maneira de falar e de ser”.

Por fim, penso que cada vez mais o vídeo, desde algum tempo, vem sendo utilizado de diversas maneiras, conectado à outras mídias em instalações de arte contemporânea, de forma muito intensa, no que Dubois chamou de cinema de exposição, com propostas que se utilizam o material filme em suas obras plásticas ou inventando outras formas de apresentação inspiradas em efeitos cinematográficos, subvertendo a forma de recepção tradicionalmente esperada. Nesses espaços

“(re)inventa-se a tela múltipla (desdobrada, triplicada, em linha, oblíqua, em paralelo, em frente e verso), projeta-se na luz ou em objetos que não se reduzem a superfícies planas, põe-se o filme numa cadeia infinita (entramos e saímos ou, melhor, passamos na hora e no ritmo que quisermos), experimentam-se novas posturas dos expectadores (de pé, sentado, deitado, móvel), explora-se a duração da projeção (breve, muito breve, muito longa, infinita)”.

Penso que ao ler esse pequeno fragmento do livro de Dubois, ganhamos um embasamento teórico que não tínhamos até então, e que, acredito, nos fez falta ao apreciarmos as diversas Bienais e exposições que já visitamos. Hoje, depois dessa leitura e reflexão sobre o vídeo, aproveitaria muito mais tais espaços expositivos. Mesmo que ainda cheia de perguntas e dúvidas, mesmo sem saber ao certo definir o que seja vídeo, penso que olharia com outros olhos os futuros trabalhos que se utilizem do vídeo como forma de expressão. Reforçando as palavras de Dubois “o vídeo é de fato um estado do olhar: uma forma que pensa. Nunca é resposta.”

Referências Bibliográficas:

DUBOIS, Phillipe. Cinema, Vídeo, Godard. Disponível em http://books.google.com/books?id=mLYSUo_XtTMC&printsec=frontcover&dq=cinema+video+godard&hl=en&ei=Oqi0Tav8IcXx0gHq1JD8Aw&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=1&ved=0CCgQ6AEwAA#v=onepage&q&f=false

Acesso em 08/05/2011.

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